Cartas de Lancelot - O íntimo, o âmago

Cartas de Lancelot - 1ª carta: O íntimo, o âmago


Outra vez o vazio…
Eu estou triste, não, miserável. Deveria encontrar um jeito de descansar minha tristeza nos braços de alguém. Mas o mais nobre a ser feito é descansar dentro de mim. Assim prefiro, sem ninguém por perto! Medo de sofrer… vós sabeis daquele medo? Ele desacoroçoa-me a todo o momento.
Não pudera dizer que nunca sofri, mas alimentei-me da esperança que exala das solas de vossos sapatos. Alimentei-me ainda do inalar das meias noites em que descobri que vosso cabelo cheirava a mel e a sangue. Sobretudo, vossos batimentos cardíacos que retumbam nas extremidades de meus tímpanos, numa tortura divina.
Porventura, vossa majestade não desconfiar-se-ia de minha postura esperançosa e da excitada paixão por trás de minha armadura. E eu, em minha vulnerabilidade, jamais pediria que soubésseis. Por este motivo ouso escrever esta carta que jamais ousaria entregar-vos. Ela é a primeira das tantas que acalentaram cada noite mórbida sem vosso corpo garbo perto do meu.
Então vos digo por cá, como se pudésseis ouvir. Vossa presença me domina os tendões, e diferentemente do meu esperado, sinto frio quando estais por perto. Vosso nobre rosto, com um sorriso trigueiro a cavalgar sem destino faz-me sentir calafrios, arrepios, coisas sem razão. Ele aparece sempre que escuto o choque estridente de minha espada acertando alguém, como um brilho de eufórica paixão por lembrar-me de por quem estou o fazendo.

Creio que eu, um mero merecedor do paraíso como todos os filhos de Deus, não lhe deveria pedir muito. Apenas ei de orar para que a força sagrada me tenha pena e espante a névoa tão atroz que me entorpece de medo. Sim, tenho medo de sofrer, medo de sentir a cruel sensação de perder o chão e não poder tocar o céu. Tal como senti quanto perdi o amor de minhas vidas e mortes, e não falo de Guinevere… tolo, eu, tolo! Perder o que nunca tive; Afinal, nem todos merecem o amor em vida. O que direi eu? Um facínora de caminho longo, destino incerto, traição e justiça sanguinária pelo chão dos bretões. Queria eu, ter o coração derramado aos campos, escorrido perante vossa armadura, mirar meus olhos escarlate em vossos tão piedosos anseios e dizer que Amo-vos, meu Rei! E por maior que seja minha dor durante a vida inteira, as minhas intempéries serão salvas e ganhas por saber de vossa existência.
Pisoteeis-me!
Fazeis de mim vosso escravo, vosso chão, vosso escárnio de normalidade. Arrancas-me de tuas iras benevolentes e colocai-me de joelhos. Fazeis-me chorar durante as noites bonitas, a olhar o mar longo pertencente ao vento frio. Fazeis-me implorar por vosso calor, e vossas mãos em mim, fazei de mim uma de suas odiosas criaturas. Caricaturas-me como vosso monstro e produzis vossa prole em mim. Abusas-me como se abusa de um rio. Fazeis-me de todo vosso, sem nenhum pedaço solto ou largo; Persuada-me, excita-me, apunhala-me, fazei de mim vosso servo e vosso mais corajoso amante. Dá-me o estímulo, e a vossa raiva. Aceitas-me e aceitas também meu cântico de amor sob vossos pés…

Rasgo-me de um lado a outro, e neste momento, minhas metades crêem na morte eterna. Serei para vós o melhor cavaleiro, meu Rei. E jamais perturbar-vos-ei com minhas vontades. Creio que vossa presença representa o mais próximo da felicidade que tive. E basta!
Porque não amo apenas o vosso corpo e vossa alma, amo também vossa vida, vosso posto, e vosso altruísmo. Amo a vossa fonte de generosidade, e vossos olhos misericordiosos. Amo ainda, vossas mãos ásperas e calejadas, vossos cabelos não expostos, cobertos pelo elmo de cobre e por sangue. Amo mais, as vossas palavras sem motivo algum para amá-las. Amo vossa voz impávida e, sobretudo, amo vosso coração que me cabe amar sem nada dizer. Sei que nele está tudo o que quero e que eu jamais ousaria ter…
Bem verdade que eu deveria odiar-vos, mas a vossa é a minha vontade. Amo-vos, Arthur!

p.s: Lancelot foi o primeiro cavaleiro da confraria de Arthur. Ao contrário de todas as histórias, a história britânica é complicada e incerta e ao que tudo indica, Lancelot seja apenas um personagem mitológico dentro de tudo. Ainda assim, eu amo demais sua bravura! Por isso, tive vontade de dar origem a estas cartas que ele supostamente escrevia a pensar em Arthur, seu Rei.


Um comentário:

  1. oii,
    gostei da carta, achei tão lindo o modo
    como lancelot se referi a arthur,
    tipo algo belo, admiravel, porém que nao se
    pode alcançar, adorei <3
    bjus

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