uma menininha, ela tinha um sonho...
O sonho tinha cheiro de morango, cara de palhaço,
tinha olhos cor de mar que brilhavam como um sol. A menininha observava o sonho
de longe, com amor e devoção. O sonho era o que mantinha a menininha viva, mesmo
que ele fosse tão inalcançável. O sonho fez a menininha chorar, berrar,
espernear de barda e dor... A menininha tentou esquecer o sonho, mas os olhos
azuis que o sonho tinha sempre voltavam para que ela olhasse. A menininha
fechou os olhos para não ver o sonho, mas a risada de palhaço que o sonho tinha
acabava fazendo ela ouvir. A menininha tapou os ouvidos, mas o cheiro de
morango que o sonho tinha invadia suas narinas. A menininha trancou a
respiração, mas o calor do brilho do sol que o sonho tinha acabava aquecendo
sua pele!
A menininha não conseguiu fugir. O sonho a
machucou, a violentou, a sacudiu, mas ela se entregou totalmente. Seu coração
foi arrancado, cortaram as veias calculadamente e entregaram a quatro duendes
que cuidavam do sonho. A menininha ria, mesmo sem coração. Seu coração não era
mais seu, era do sonho. Os duendes se encarregaram e o sonho aconteceu. Mas
aquele sonho cresceu tanto que a menininha não conseguiu crescer junto... A
menininha não respirava mais sem o sonho, ela exigia o sonho, era doente pelo
sonho, era retardada pelo sonho tão distante.
O sonho estava longe, e a menininha não conseguia
alcançar. Ela esticava as mãos, mas os duendes trancaram seu coração com aquele
sonho e ela não podia pegar. A menininha, pobrezinha, sentou na beirada da
calçada e chorou. Chorou porque não entendia como um sonho que começou
pequenininho poderia ter crescido tanto e escapado de suas mãos... Não, o sonho
nunca esteve em suas mãos. O sonho estava longe e havia levado seu coração para
sempre. Enxugando as lágrimas, a menininha levantou, pensou uma forma de pegar
seu sonho de volta, mas aí deu-se conta de que não era preciso resgatá-lo, era
preciso deixá-lo livre. Foi aí que a menininha cresceu, chorava menos agora e
projetava sonhos todos os dias. Sonhos pequenos, com o sonho de reencontrar seu
amado sonho e seu coração não mais seu.
A menininha, agora adulta, gostava da ideia e se
divertia, vendia sonhos... Uma fábrica de sonhos! O tempo passou, e a menininha
sentia que se aproximava do sonho... Ah, toda vez que ia até a janela ver o pôr
de um sol esbelto, com dois olhos negros e gigantes como jabuticabas pretas. A
menininha sentiu-se perto do sonho quando mergulhou em um mar impávido de água
pura e cristalina. A menininha viu seu sonho cada vez mais perto quando
deitou-se sobre morangos maduros e vistosos que se grudavam no corpo e não
queriam sair. A menininha sorriu... A menininha sorriu e ouviu o palhaço do
sonho dar gargalhadas enquanto ela dormia. Aquele palhaço a perseguia e ela o
amava, como uma mulher ama alguém verdadeiramente. Sim, a menininha sentia que
estava perto...
Ah, mas ela estava tão enganada!
Seu sonho já não era o mesmo, seu sonho estava mais
distante, seu sonho era tão cruel com ela... Porque ela tinha que ter este
sonho? Porque ela estava marcada? A menininha ergueu a cabeça, com o rosto
lambuzado de lágrimas cretinas. Decidiu recomeçar tudo de novo. Lá estava ela
de volta, na calçada chorando, sozinha...
De repente, numa árvore próxima a menina reconheceu
seu sonho antigo, todo enredado na árvore, velho, mas ali, o tempo todo perto
dela. Ele nunca tinha ido embora. Ela é que não o enxergava mais...Passava todo
dia por aquela árvore para ir a fábrica e nunca tinha parado para observar com
calma.
E a menininha riu... Riu como há muito não ria. Subiu
na árvore e agarrou seu sonho nos braços. Beijou-o com amor e paixão, acariciou
o sonho, o carregou no colo... O sonho estava ali e era preciso agarrá-lo,
amá-lo, cuidá-lo, mesmo sozinha...
Feliz a menininha foi correndo para casa, pulando
amarelinha, cumprimentando todos por quem passava. As pessoas não entendiam o
que uma menina com um monte de "tralhas" nas mãos podia deixar
escapar tamanha felicidade.
Aquela noite a menininha dormiu tranquila, tão
tranquila com seu sonho antigo do ladinho da sua cama que novos sonhos começaram
a aparecer. E eram tantos... Claro, ela só precisava olhar para o mar azul,
cheirar um morango gostoso, deixar o sol bater no rosto e claro... Ela
precisava rir. Ninguém melhor do que seu palhaço para lhe ajudar!
Obrigada
por todos estes anos de sonhos, The Beatles!
Eu
amo muito vocês!
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