Caramujos



Há o que ainda me lembro a palmo e meio do nariz. Não só os cheiros, mas os tatos, os ruídos.
Lembro-me do som dos meus joelhos a bater na tijoleira.
Ainda consigo sentir o arranhar da tinta solta e gasta das paredes dos varandins e do terraço na ponta dos meus dedos.
Sinto ainda a escaldar-me na pele minha o pó do chão que ainda me cheira a queimado da lenha já ida.
Consigo sentir nas bochechas e nariz as gotas fugidas e salgadas da praia, bem como o quente no rabo do cimento do parque.
Ardem-me ainda as feridas abertas de cair e não desistir, os picos das silvas e os pulmões das dores asmáticas já tão passadas.
O cansaço das 5 da tarde, por o dia saber a eternidade.
O cheiro das gomas e dos melões, a adrenalina de um bilhete de cinema às 9 da noite e uma descida aos infernos do estofo bolorento, capaz de nos fazer sonhar.
Dos vossos, nossos risos, dos médicos e pais e às mães, dos ursinhos e do playmobil.
Ainda os sinto e sei o contorno de cada um.
Ainda consigo encontrar cada quarto da casinha com os olhos fechados, e nos meus sonhos percorro ainda os da casa como se lá estivéssemos ainda.
Na vertigem dos 23, sonho no que fomos, e desejo os caracóis e o nariz arregalado, os límpidos e corredeiras, os jogos de verão e o sentir-me faceira no sangue e na alma, e saber que tive tanto mais que tantos outros, no véu da idade.
Não é só a nostalgia, é o tato, o cheiro, os ruídos.
Ainda ouço o cântico das unhas do Garoto a arrastar-se na tijoleira, e ainda sinto o quente que emanava dela no fim do dia, junto à varanda.
O aconchego do sofá orelhudo quando ainda me cabia nele sem nele sobrar.
Os jantares e os churrascos, e a voz da mãe a chamar-nos para casa, já no derramado céu estrelado.
Quando faço anos é inevitavelmente o nós que lembro, no que me foi dado e quero poder partilhar.
Não trocava um único segundo, um único batimento do meu coração.
No aguado dos meus olhos agora sei que num antes provável devo ter sido justa - ninguém pode ter tanto assim e não se perder em arrepios e choros de saudade entalados.
Eu sinto tudo ainda hoje.
Ainda hoje sinto-nos e sei-nos como sempre fomos.
Não poderia sentir maior gratidão.
Não desejo nada se não embalo e gratidão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Bonjour!
Que felicidade em te ver por aqui :) Só não seja homofóbico, racista, machista ou preconceituoso. Seja amável, e eu irei te amar também. Deixe o endereço de seu site para que eu possa retribuir a visita. Au revoir ~